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De ser-se Açoriano, Imigrante e Associativista no Ontário...

Gilberto Moniz
Entrevista conduzida por: Manuel Cândido Martins
Fotos:  Adiaspora.com

Toronto, 17 de Março de 2011


 

Carlos César, Presidente do Governo Regional dos Açores e Gilberto Moniz

 

ADIASPORA.COM: Tenho aqui hoje, sentado ao meu lado, um filho das Lajes do Pico, pessoa muito conhecida nas lides associativas na comunidade portuguesa do Ontário, mais precisamente da cidade de Mississauga. Vai relatar-nos algumas das suas mais memoráveis recordações, que, de certo, contribuirão para a história dos portugueses imigrantes aqui, no Canadá.
Gilberto Moniz encontra-se radicado em Mississauga, onde, há já alguns anos, está ligado ao Centro Cultural Português daquela cidade.
Senhor Gilberto, pode dizer-nos, nas suas próprias palavras, qual o local e data do seu nascimento?

GILBERTO MONIZ: Nasci em 1948, nas Lajes do Pico, onde vivi até à idade de quinze anos

ADIASPORA.COM: Pode contar-nos um pouco o que se recorda do seu tempo de menino, por exemplo, quantos anos tinha quando ingressou na escola?

ADIASPORA.COM: Nasci e vivi na Rua da Oliveira, mais conhecida pela Rua de Baixo. Frequentei a escola na Rua da Cadeia e depois fiz o primeiro ciclo, que era o 1º Ano e 2º Ano, com o Professor Moniz. Depois, segui o 3º e 4º Ano com o Professor Azevedo, isto tudo nas Lajes. Ao 5º Ano, fui para o Faial, onde estudei, na cidade da Horta, com o Professor Vieira, que era da Calheta de Nesquim. Em seguida, fui para o 6º Ano, no Liceu, mas, na altura, já estava a pensar vir para o Canadá e desisti do Liceu em Dezembro, altura em que regressei às Lajes do Pico. Aqui pratiquei desporto e esperei para os papéis, pois precisava da caderneta militar para poder emigrar. Isso levou algum tempo e, na altura, decidi ir a São Miguel, onde me candidatei a um emprego no Ministério das Finanças. Estive lá cinco meses nas Finanças, em Ponta Delgada.

ADIASPORA.COM: Lembra-se ainda do nome do seu primeiro professor e de alguns colegas desse tempo?

GM: O meu primeiro professor foi a Professora Nascimento. Colegas tive vários: o Pedro, o José António, o Francisco José – foram vários naquela altura – a Eva, a Ivone... foram vários. Só através de fotografia é que uma pessoa se vai lembrando deles. Enquanto estudei nas Lajes, andei sempre também ligado à Filarmónica. Aprendi a tocar música com um homem que era um lajense e que morava ao lado do campo de futebol, o Senhor José Soares. Ensinou-me a tocar clarinete. Depois, pratiquei futebol. Posteriormente, com a ida para o Faial, joguei futebol ao nível de juniores no Sporting da horta. Contudo, em São Miguel a vida começou a mudar um pouco.

ADIASPORA.COM: Já nos adiantou alguma coisa sobre o assunto. Depois da escola primária, frequentou alguma escola secundária ou outro estabelecimento de ensino como o liceu, etc?

GM: Frequentei a escola secundária, o 1º Ciclo, através do Professor Moniz, na escola privada. O 2º Ciclo foi já com o Professor Azevedo.

ADIASPORA.COM: Quais foram as suas actividades na Vila das Lajes do Pico na sua mocidade ou em algum outro lugar antes de emigrar?

GM: Nas Lajes do Pico, pratiquei futebol no Lajense por pouco tempo. Jogava ténis. Cheguei a tocar na Filarmónica Liberdade Lajense. Também no Faial cheguei a jogar futebol, embora pouco. Depois, vim para São Miguel já um pouco mais maduro, com a idade de 16 anos ou 17. Foi quando trabalhei nas Finanças. Daí emigrei para o Canadá.

ADIASPORA.COM: Hoje as Lajes do Pico é conhecida mundialmente por “Vila Baleeira”. Lembra-se da caça à baleia no porto das Lajes, ou só tem conhecimento das estórias da saga baleeira daquele tempo?

GM: Tenho conhecimento, pois o meu pai, Manuel Moniz, mais conhecido por Cepa Ré, era trancador de baleia e o meu avô, Manuel Moniz da Papuda, era o oficial. Eu ia com o avô nas lanchas. Vi apanhar baleia muitas vezes. Além disso, o meu avô era mestre de uma lancha chamada Lourdes, que fazia carreira à segunda-feira entre as Lajes do Pico e o Faial, passando por São João, Prainha e São Mateus. Eu ia muitas vezes com ele e adorava aquilo. Adorava!

ADIASPORA.COM: Lembro-me disso, porque viajei com eles muita vez! Como se sentia quando o foguete ou bomba rebentava na vigia e os baleeiros emergiam de todo lado, a correrem para os botes? Era uma euforia que todos os residentes daquela pacata vila piscatória, hoje designada Vila Baleeira para os turistas.

GM: Era uma alegria! Isso foi no meu tempo de criança. O meu pai, além de ser baleeiro, era lavrador e tinha vacas. Eu geralmente ia levar a bolsinha com o lanche, para apanhá-los em cima do cais, de onde seguiam para a caça da baleia. Portanto, era uma alegria! Dia de baleia era dia de festa! Não havia escola, não havia nada, não se trabalhava!

ADIASPORA.COM: Recorda-se de alguns nomes desses velhos baleeiros que habitavam a vila onde nasceu?

GM: Sim. Lembro-me do Francisco Barbeiro, Manuel Garcia, Reles, Painha...Sei lá, muitos, muitos. Por vezes, esqueço-me dos nomes...

ADIASPORA.COM: Está no Canadá há bastantes anos. Em que altura decidiu deixar a terra natal e emigrar para cá. O que determinou esta sua decisão?

GM: A minha decisão de vir para o Canadá deu-se em 1966, numa altura em que a tropa tinha de ir toda para Angola. Morriam pessoas e eu comecei a pensar: “ Porque é que eu tenho de ir para Angola defender direitos que não são nossos?” Porque é que eu tinha de ir defender terras, as quais acabámos por perder? Acho que foi um pouco tarde. Se o 25 de Abril tivesse acontecido mais cedo, talvez hoje não estivesse cá. Mas emigrei e estou satisfeito por ter emigrado. Acho que foi a melhor coisa que fiz. Emigrei em 1967 e cheguei aqui no dia em que fiz 19 anos!

ADIASPORA.COM: Emigrou sozinho ou veio acompanhado?

GM: Vim com os meus pais, porque, na altura, eu não podia sair por causa da tropa. Vim com os meus pais através de uma carta de chamada de um tio, o Humberto Batata, e da Ilda, que era irmã da minha mãe.

ADIASPORA.COM: Então foram esses os familiares que estavam à sua espera quando chegou ao aeroporto?

GM: A minha tia Ilda Macedo e o Humberto Batata estavam à minha espera.

ADIASPORA.COM: Falemos um pouco sobre os seus primeiros tempos como imigrante no Canadá. Onde se radicou e onde trabalhou?

GM: Radiquei-me em Toronto. Vou ser sincero. Quando cheguei aqui, não gostei nada, pois o ambiente era completamente diferente. Fiz a mala duas, três vezes para regressar. Mas enfim, com o passar dos dias, consegui habituar-me à terra. O meu primeiro trabalho foi longe. Fui para Muskoka trabalhar, a fazer cadeiras, coisa que nunca tinha feito na minha vida. Mas, enfim, aprendi. Depois, vim para Toronto e comecei a trabalhar numa companhia chamada FG Bradley. Era uma firma de carnes. Vinha a carne bruta, cortava-se a carne e expedia-se para restaurantes e hotéis. Aí trabalhei 25 anos. Comecei e progredi na plant (unidade fabril) até atingir o posto de manager (gerente). Tive uma posição boa lá. Foi o melhor tempo a minha vida.

ADIASPORA.COM: Contudo, sabemos que começou a interessar-se pela vida associativa e que ainda continua activo nesta, pois está à frente, como Presidente da Direcção, do Centro Cultural Português de Mississauga. Há quanto anos se encontra ligado a esta colectividade?

GM: Comecei nas lides associativas, nos finais de 1967, na Casa do Benfica. Eu era o sócio nº 11. Portanto, fui praticamente um dos seus fundadores. Andei lá envolvido no desporto através do futebol, uma modalidade desportiva da qual gostava imenso. Depois, mudei-me para Mississauga, em 1978, e aí, então, tornei-me sócio do Clube Português de Mississauga e fiquei logo envolvido, com participações no Concelho Fiscal e na Assembleia Geral. Fui Tesoureiro, e depois Presidente já são 12 anos.

ADIASPORA.COM: Em todos estes anos que trabalhou nestas organizações, fê-lo à sua vontade? Teve alguns altos e baixos como tem a maioria das associações da Comunidade Portuguesa, ou tem sido um mar de rosas? Se continua, será prova que sim? O que pode dizer-nos sobre isto?

GM: Há sempre altos e baixos, Eu, como sabe, quando comecei como Presidente do Centro Cultural de Mississauga, em 1987, aquilo só havia bailinhos. Nessa altura, verifiquei que o dinheiro era pouco, mas dispus-me logo a fazer algo mais. Aí, formei logo o rancho folclórico. Depois, começámos com a secção desportiva. Quando saí da presidência no ano seguinte, já deixei algum dinheiro para se trabalhar à vontade. Estive fora dois ou três anos. Quando regressei, mais uma vez não havia dinheiro – direcções que não tinham visão. Portanto, andei fora e dentro (da direcção). Pensámos em adquirir instalações próprias. Na altura do vigésimo quinto aniversário da casa, fui chamado a presidência novamente. Acho que foi um dos maiores sucessos dos meus anos enquanto presidente. Novamente pensámos comprar um prédio...

ADIASPORA.COM: É consabido que foi um dos principais obreiros na remodelação do Centro Cultural Português de Mississauga, uma estrutura que veio trazer à Comunidade Portuguesa de Mississauga um espaço para desenvolver as suas actividades culturais, recreativas e sociais, divulgando, assim, as nossas tradições em terras do Canadá. Como conseguiu apoio para tudo isto?

GM: Na altura, pensávamos em comprar uma sede própria. Formámos uma comissão, a PROSEDE, que era constituída por 20 pessoas. Eu era uma delas. A nossa missão era organizar festas, angariar dinheiro, pedir dinheiro, até que conseguimos um montante de meio milhão de dólares. Nessa altura, vimos vários prédios e comprámos um. Custou-nos 1.4 milhões de dólares. Renovámos o prédio, pois aquilo tinha sido uma mercearia. A remodelação do prédio custou-nos mais meio milhão de dólares. No fim da obra, tínhamos praticamente dois milhões de dólares gastos. Quem é que havia de ser o presidente no primeiro ano? O Gilberto Moniz, pois era o mais antigo da altura. Gostei, gostei porque tive visão e começámos logo a fazer festas diferentes, festas que abrangiam não só gentes do Continente, mas também dos Açores. Fizemos várias festas, sempre diferentes.

 

 

ADIASPORA.COM: Que conselho dá às novas gerações, que aqui, no Canadá, perpetuam a nossa portugalidade? Deverão estas estar mais envolvidas nas lides comunitárias?

GM: Todas as direcções têm sido presentes. Neste ano de 2011, faz 10 anos que funcionamos nas novas instalações. Eu, por minha vez, já faço oito anos nesta casa nova. A minha preocupação foi sempre ter jovens do meu lado, na Comissão de Seniores, Comissão de Jovens, Desportiva e Folclórica. Isto tem sido sempre um sucesso, além de ter uma direcção que trabalha sem qualquer restrição. Estou de parabéns, pois tenho tido sucesso, mas também a minha direcção tem sido incansável. Fomos o primeiro clube que começou a fazer jantares ao sábado. Em lugar de haver só os bailinho, as famílias passaram a ir jantar ao clube. Isto começou a dar mais receitas e, felizmente, hoje estamos numa posição, não digo boa mas quase. Saudável. No entretanto, há dois anos, fizemos uma obra nova no Centro: um palco com camarins e quartos de banho, o que significa que podemos agora receber artistas de nível mundial. Temos artistas portugueses já com uma boa carreira, tais como a Katia Guerreiro, o Marco Paulo, a Alexandra e o Kamané. São fadistas que têm vindo a actuar sempre no nosso Centro.

 

ADIASPORA.COM: Como imigrante açoriano e português no Canadá, alguma vez conseguiu conceber a vida somente neste país de acolhimento, sem qualquer contacto com a ilha e o lugar onde nasceu, neste caso o Pico e Vila das Lajes, ou ama as duas terras de igual forma?

GM: Aí tenho uma história um pouco diferente devido ao facto de ter casado em São Miguel. Como casei lá, fiquei com a casa do meu sogro e ia a São Miguel praticamente todos os anos. Isto por uma semana ou duas, nunca por mais tempo devido à minha vida profissional. Quando chegava a São Miguel, deparavam-me sempre com problemas, como ter de pintar a casa etc. Havia sempre qualquer coisa a fazer. No entanto, já fui ao Pico, desde que estou cá, umas quatro vezes. A última foi com a escola do nosso Centro através de um protocolo com a escola das Lajes. Isto foi há cinco anos, salvo erro. Foi um dos passeios que mais adorei. Gostei imenso!

ADIASPORA.COM: Antes de terminarmos, poderá dizer-nos quais são os seus planos para o futuro?

GM: Trabalhar! Tenho 62 anos. A minha esposa está reformada, mas eu não quero reformar-me! Quero continuar a trabalhar até aos 70 anos de idade pelo menos. O meu trabalho é fácil. Tenho uma escola de condução e acho que, enquanto trabalhamos, nós nos distraímos. Ao reformarmos e ficarmos em casa, a vida muda. Queria trabalhar, passear e ir ao Pico mais vezes. Queria ir à Festa de Lourdes, a qual já não vejo há uns 40 anos. Naquele tempo, também participava nas regatas. Fazíamos regatas de vela, de bote e de remos. Fazia também caça submarina, mas isso tudo perdeu-se com o tempo! Em São Miguel, fui várias vezes jogar golfe e já está planeado ir jogar, em Junho, no Torneio do BANIF. Tenho uma vida activa aqui, no Canadá. Além de trabalhar, pratico golfe. Mantenho-me sempre ligado ao futebol, pois vejo todos os jogos. Agora tenho o hábito de ir à Internet, ao Facebook. Não sei se é bom, se é mau, mas perco algum tempo nisso. No entanto, tenho uma pessoa no Pico a quem eu quero bastante bem e que queria ver no próximo ano. É um primo que tenho lá e que adoro: o Adáugio. Deve ser uma das pessoas mais conhecidas por toda a Ilha do Pico, pois é uma pessoa muito carinhosa e amigo de todos. Gostava ainda de lhe dar um abraço, pois já está com uma idade avançada. Em São Miguel, tenho um outro primo que é também muito conhecido: Sidónio Bettencourt. Falamos muito. Quase todos os dias falamos e estamos em contacto. É sempre bom ir aos Açores, pois acho que é a terra mais linda que pode haver! Uma coisa que quero também aqui mencionar é o facto de que muita gente me pergunta: “Como é que, no Centro Cultural Português, consegues ter os continentais e os açorianos unidos?” É muito fácil: tenho na Direcção pessoal do Continente, pessoal dos Açores. Acho que todos me respeitam e há um sentimento de união entre os portugueses de Portugal Continental e dos Açores, pois falamos a mesma língua e é assim que se consegue ir para a frente. Já estiveram vários presidentes e dignitários no Centro, tais como Carlos César, o Primeiro-Ministro do Ontário, Alzira Silva, enquanto Directora das Comunidades Açorianas e, mais recentemente, Graça Castanho, que actualmente exerce este cargo e com quem adorei falar. Portanto, estou sempre ligada à vida comunitária e é um prazer trabalhar voluntariamente para todos os portugueses e não só!

ADIASPORA.COM: Tenciona reformar-se e retirar-se da vida comunitária? Descansar?

GM: Não sou pessoa que vire as costas. Conhece-me bem e sabe que estou sempre a inventar, sempre a desenvolver ideias novas. Não consigo parar. Contudo, penso que este será o meu último ano como presidente. Acho que devo dar prioridade aos jovens para irem para a frente, mas ficarei sempre ligado ao Centro.

ADIASPORA.COM: Muito obrigado por nos ter concedido esta entrevista. A equipa de Adiaspora.com agradece toda a amizade e disponibilidade que tem vindo a manifestar, ao logo dos anos, na perpetuação das culturalidades lusas neste país de acolhimento.

Manuel C. Martins, Gilberto Moniz e José I. Ferreira, Presidente - Adiaspora.com

 

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